segunda-feira, 5 de setembro de 2016

03/09/15: Liège


                 Hoje o dia amanhece mais triste. Com a certeza de que deixo muito, ainda que temporariamente, e com medo do que possa encontrar. O dia começa com uma dor comichosa na barriga e um aperto à volta do peito. A maioria das despedidas estavam feitas e a máquina gigante esperava-nos. O destino não me era desconhecido por completo, mas a incerteza deixa-nos sempre com um pé atrás. Vai ser rápido, dizia de mim para mim. Vai passar num abrir e fechar de olhos, tentava convencer-me. Eu preciso disto, e isto sabia certamente. O meu coração vivia numa bipolaridade frenética: empurrava-me para terras belgas mas, ao mesmo tempo, queria permanecer no território lusitano. Mas, tal como dizem por aí, só se vive uma vez. Respirei fundo e fui. Depois de tanto sofrimento, chego e começo a viver cada minuto. O que é certo é que o dia anoiteceu mais feliz.
                Aconteceu. Foi tudo tão rápido, que mal tive tempo de piscar os olhos – sem dar por elas, as pessoas apareceram. Os momentos ocorreram. As memórias ficaram guardadas. As aprendizagens foram interiorizadas. As aventuras vividas. O tempo, foi passado. Aprendi a viver olhando as coisas numa perspetiva diferente, e cada pessoa e cada momento acrescentou algo em mim. Depois de cinco rápidos – mas estranhamente longos – meses, senti que tinha mudado. Por tudo o que vi e conheci, pelas conversas traduzidas em mil idiomas, pelos hábitos diferentes de cada um, pelos problemas enfrentados, pelas alegrias, pelas dúvidas, pelos medos, lágrimas, sorrisos e gargalhadas. Eu mudei e tenho a certeza que se tivesse decidido dar um passo atrás, hoje não seria a mesma pessoa. No dia que me vim embora, mais uma vez o meu coração vivia numa bipolaridade frenética; mas desta vez, completamente virado do avesso: empurrava-me para terras lusitanas mas, ao mesmo tempo, desejava continuar no território belga. E a vida é mesmo assim. Leva-nos a lugares maravilhosos mas, repentinamente, decide que está na hora de irmos embora. De seguirmos outras direções. De continuarmos o nosso caminho. E o que é certo é que, estando tão longe de casa, parece que estamos a viver numa vida paralela à nossa… Um antídoto para quem vivia num rodopio de emoções.
                Sei, agora, que sempre que quiser terei um cantinho para onde fugir ou uma memória a recorrer sempre que quiser abstrair-me. O rio, a praça, os bares, a cerveja de mil e um sabores, os amigos de cada canto do mundo, a rua de minha casa, os gauffres, a neve, as viagens. 
                Hoje, sim, o dia amanhece mais triste. Passou-se um ano. Dava tudo para viver novamente aqueles meses mas, infelizmente, não é possível. O meu tempo terminou e só me resta sorrir enquanto encosto a cabeça na almofada porque hoje, sim, o dia também anoitece mais feliz. Tudo aquilo aconteceu. 


Foto: © Paul Voestermans 

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Running Away

           

           Ela tentava fugir àquilo que sentia, mas de cada vez que parava pelo caminho para descansar e respirar fundo, o sentimento assolava-a como um trovão: deixava cada pêlo eriçado, o coração a palpitar freneticamente, as entranhas a contorcerem-se e os pensamentos a mil. Quando isso acontecia, ela voltava a correr como se a sua vida disso dependesse, de maneira que todas essas sensações eram deixadas para trás, apesar de ela ter a certeza que, da próxima vez que voltasse a parar, elas iriam apanha-la. Esta era uma corrida na qual ela não tinha qualquer hipótese de vencer. Era inevitável. O seu principal objetivo era, simplesmente, fugir para o mais longe que pudesse daquele sítio, daquele espaço no meio da terra, do perímetro no meio de um mundo tão grande. Tinha esperança que, a quanta mais distância estivesse de lá, menos os sentimentos a abalariam, e talvez conseguisse sobreviver. Nunca foi muito boa com sentimentos até ter que os encarar realmente de frente.
            De cabelos ao longo do corpo com uns jeitos emaranhados atrás das orelhas, pele cor de névoa e olhos de infinito, estava ela ali sentada. Não sabia o que a esperava e muito menos quem a esperava. Nunca estamos preparados para nada até termos que lidar com a realidade. Olhava para o além, e pensava em alguém. Alguém esse que, ultimamente, decidira tanto lhe oferecer um cravo, como lhe dar uma ferradura; era incompreensível para a maioria do mundo, mas totalmente compreensível para ela. Conheciam-se e ela, no meio de tanta incerteza que lhe toldava o pedaço de alma que lhe pertencia, tinha tanta certeza. Passava o tempo a imaginar o possível e o impossível, a escrever histórias na sua mente que faziam o coração remoer-se de desejo, e a pensar, ao mesmo tempo, que devia apagar tudo aquilo do seu pensamento – tinha por hábito considerar que se pensasse muito em algo bom, isso nunca iria acontecer. Era um karma estranho. Mas era também inevitável. E ela sabia-o.
            Com o seu jeito tão característico e caminhar orgulhoso, ele aproximou-se. Tinha noção que fazia parte dos seus sonhos faz tempo e, lá no fundo, apesar de não lhe contar, também sonhava com ela. Constantemente. Mas teimava em deixa-lo escondido, com medo de a perder, com medo de se perder. Avistou-a logo que sentiu o seu perfume, e foi-se aproximando. Nenhum dos dois sabia o que ali ia acontecer. Ele caminhava, com um nervoso miudinho a bater-lhe no peito, mas com um rosto impenetrável. Ela, sentada, no seu mundo, não se apercebia da sua presença, ainda que se sentisse constantemente ligada a ele. Passo. Passo. Passo.
            Sentiu alguém tocar no seu ombro. Olhou para trás.
            Foguetes. Estrelas. Música. Borboletas. Tudo. Nada.

         É difícil ser esbofeteada por tamanha força de sentimentos, quando não se sabe muito bem como lidar com eles. Em pensamento, tentava fugir. Fisicamente, ficou.
            Sempre.


segunda-feira, 27 de junho de 2016

De cor



À tua volta surge uma penumbra de dúvidas, medos e desejos. Acima de tudo medos, mais importante que tudo desejos. Por mais que tentes dar ar de pouco importado, haverá sempre uma parte de ti que o desmente. Conheço-te e sei disso. Estás marcado nos caminhos que percorrem a palma da minha mão e permaneces moldado no meu abraço. É por isso que teimo em puxar-te para mim, onde pertences, onde ficarás bem. Recolhe-me no teu peito, não me deixes ir por caminhos que não vão ao teu encontro e eu prometo cuidar de ti. Sei-te de cor, e isso basta-me.
O mundo parece-me estranho se me tentar esquecer da tua existência e as cores que constroem o dia começam a ser em tons de cinza (apesar de gostarmos tanto desses tons tão nossos); permite-me que te apazigue a dor que teima em gritar de cada cicatriz tua, e deixa-me junta-las às minhas: marcas com marcas, histórias com histórias.
Quero-te exatamente como és.

Sei-te de cor, e isso basta-me. Porque és muito mais do que te pintas.

sábado, 2 de abril de 2016

Lights & Darkness

                

                Puseste-me ao teu bolso sem eu me aperceber disso. Escondeste-me lá durante anos, sem eu saber onde estava. No meio da escuridão, perdi-me em pensamentos, em sentimentos, em lágrimas e sorrisos. Nunca, em momento algum, soube que ali estava. Fui vivendo a minha vida, como se nada se passasse, até um dia, de um momento para o outro, me aperceber que não a estava a viver da maneira correta. Que me ia perdendo por olhos incertos, que me envolvia em braços que não se encaixavam no meu corpo, que moldava os meus lábios em lábios… que não eram os teus. Um dia qualquer, numa hora qualquer, apercebi-me. Apercebi-me no meio da escuridão do teu bolso que aquela era a minha realidade – uma escuridão, escuridão essa que me tinha andado a tapar os olhos de ti, e daquilo que representavas.
                Perdi-te a partir do momento em que deixaste de ter um rumo certo. No dia em que te tiraram o chão, tiraram-me também o meu. Tens deambulado pelo mar, qual pirata com um sentido de aventura adormecido, que espera encontrar o tesouro sem usar um mapa que o guie até um. (Deixa-me ser o teu tesouro). Partiram-te os ponteiros da bússola, e deixaste de ter noção de qual é o teu Norte. (Deixa-me ser o teu Norte). Arrancaram-te as asas, (Deixa-me ser o teu paraquedas) e atiraram-te para um poço sem fundo (Agarra-te a mim).
                Nunca me apercebi que te tinha até ao dia em que mo esfregaram na cara. Em que uma ventania agressiva se esbateu contra o meu rosto, empurrou o meu corpo para trás e eu senti que o meu destino tinha estado sempre ali, tão perto. Tão longe. Andei a pontapear-te, porque na realidade não podias dar-me a mão (Dá-me agora). Disse-te para ires embora, embora nunca tenha verbalizado tais palavras. Acenei-te, virei costas, e fui embora. Até uma corda invisível me puxar novamente para trás.

                É tempo para te libertares. Para dares uma oportunidade a quem foste, e continuares a sê-lo. Veleja sem destino certo, mas usa um mapa. Segue o teu rumo, mas conhece-o. Voa, mas não para longe.

                Tira-me do teu bolso, e junta-me à tua mente.

domingo, 20 de março de 2016

See ya later



Fui-me deixando levar pelo tempo. Esqueci-me de não me esquecer de mim e dos meus sentimentos. O tempo roubou-me vontade, mas deu-me dedicação. As horas levaram a dias, os dias a semanas, e as semanas a meses. Hoje estou aqui, e apercebo-me do tempo que passou.
Um dia escrevi algo nas notas do telemóvel e perdi essa nota. Foi a meio desses meses, quando me apercebi que a distância me trouxera muitas coisas boas, tendo sido uma delas o discernimento. Apercebi-me de algo que andava ali a dar ar de sua graça há algum tempo, um bichinho chato que me passava pela mente de quando a quando, mas que eu decidia ignorar e pô-lo no bolso – mas metia-o sempre no do coração, e talvez tenha sido um erro. Ou não, quem sabe. Quantas mais vezes eu insistia em metê-lo lá, mais vezes ele arranjava maneira de encontrar um caminho desde o meu peito, até ao meu cérebro… Até um dia, não há muito tempo, eu realmente aperceber-me desse feito. De um amor que (ainda) não é amor. De duas almas partilhadas já há anos, e que nunca me tinha feito sentido se conectarem de tal maneira.
Já não me recordo das palavras que escrevi. Esmoreceram no tempo, e enterram-se no meu coração. Dei-lhes espaço para se acomodarem e ficarem. Fiz-lhes um café, para se manterem firmes até, um dia destes, fugirem pelos meus lábios. Quem sabe se não te convido também para um e, talvez, me digas que isto sempre foi um sonho teu. Daqueles que nos perseguem antes de dormir e, às vezes, por consequência, te encontram no subconsciente.


Encontramo-nos depois.