domingo, 13 de julho de 2014

b&w love





Há uma altura da vida em que o amor perde a cor. Em que não acordamos e a primeira pessoa em quem pensamos é aquela que sempre nos assaltava os pensamentos em noites chuvosas. Em que não sentimos necessidade de falar com ela porque já sabemos tudo acerca da sua vida. Em que não a procuramos no meio da multidão e esperamos encontrar os seus olhos contra a nossa face a queimar-nos as pestanas. Os sonhos deixam de ser delineados pelos desejos carnais e emocionais, e passamos a sonhar com a conta da luz. Se for o caso, quando acordamos já não sentimos um arrepio na espinha quando de manhã nos vemos a seu lado. Não temos a necessidade de que ele aprecie dos almoços e jantares e nem sequer nos preocupamos em questiona-los se gostaram. Já não nos preocupamos em maquilhar-nos antes de uma noite romântica ou de vestir a lingerie nova. Aliás, já não existe uma noite romântica há muito tempo.
Há uma altura da vida em que o amor perde a cor. Pode ser com a idade e com a monotonia, mas ela esvai-se. Mas o amor precisa de ser sempre colorido? Há um momento em que o preto e o branco passam a ser as suas cores. Não deixa de ser amor: de manhã já não nos arrepiamos porque já sabemos de cor o tom das suas faces depois de uma noite de sono; não precisamos de saber se ele gosta dos nossos cozinhados porque temos noção do que ele mais gosta ou não – odeia quando faço bacalhau à brás mas delicia-se com um arroz de feijão. Não nos maquilhamos nem vestimos a lingerie porque sabemos que não precisamos de os surpreender. Eles também nos sabem de cor e salteado – sabem das rugas abaixo dos olhos e que a t-shirt larga e que paira na gaveta dos pijamas há anos é a nossa roupa preferida. Não existe intitulada uma "noite romântica" porque elas são-no naturalmente.
Há uma altura da vida em que o amor perde a cor. Mas é amor. E esse pequeno diabo é ao mesmo tempo angelical. Encobre defeitos mas deixa-os à vista ao mesmo tempo. Dá ênfase ao mais bonito que há em nós, mas também ao menos bonito. É por isso que é amor. E tal como a roupa vai perdendo a cor ao longo dos tempos e das lavagens, também o amor. Mas a roupa não deixa de ser roupa. E se for a nossa peça preferida, deixamos se a usar? Não. Se for amor, há-de também sempre assentar-nos da mesma maneira. Mudamos nós, muda ele, muda a vida. Mas nunca deixa de ser o que é.

domingo, 6 de julho de 2014

A trip to her dreams



               


                Passavam 33 minutos das doze badaladas quando ela entra no carro. Está escuro e não está ninguém na rua. O tempo ficou um pouco mais fresco, mas não se fazia sentir frio. Destrancou o carro, sentou-se suavemente no banco enquanto ajeitava a saia e prendeu o cinto. Ligou o motor, meteu a primeira mudança, acendeu os faróis e destravou o carro. Mesmo antes de seguir para casa, tinha decidido que não ia pelo meio dos montes, não só por ter um pouco do receio de o que quer que se atravessasse a meio da estrada, mas também porque parecia ser um caminho, naquele momento, mais longo (embora seja aquele que sempre toma) e que, por isso, iria fazer com que estivesse mais tempo sozinha. E mais tempo sozinha era sinónimo de pensar mais – ela não queria isso. Não naquele dia.
                Naquele dia ela tinha-se apercebido que queria muito mais, que precisava de muito mais. Olhava com ternura mas ao mesmo tempo um nó no coração para pessoas que tinham entre si entrelaçados muito mais do que dedos, e via o quanto precisava de ter um «algo» assim. Podia até nem combinar com ela, mas desde pequena que se tinha habituado a histórias de encantar embora nunca tenha feito parte de nenhuma; sempre se viu como uma romântica de alma e coração, apesar de poucas vezes este lhe tenha sido realmente roubado. Eram só pequenos pedacinhos que lhe iam levando, de quando a quando, e que depois, com algum custo, ela reconstruía. Quando ele era levado por inteiro, via-se com as artérias na sua mão a gritarem Socorro! e a suplicarem que corresse atrás do ladrão desafortunado – que pensava ali levar um grande tesouro, quando levava um espécime de órgão propulsor tão comum como qualquer outro, tão sem valor como o de outra qualquer rapariga que ama sempre sem dó nem piedade, e depois se esquece de se amar a si própria. Correu atrás uma vez, durante meses e meses, sem pistas ou mapas, sempre com o sorriso estampado no rosto e a esperança no peito: mas apareceu-lhe um buraco pelo caminho e ela caiu no abismo. E o jogo de juntar os pedacinhos recomeçou, quando esbarrou de cara no chão frio e solitário do fim da viagem.
                Naquele dia, a rapariga compreendeu que existia muito mais para além do que tinha vivenciado até ali. E ela queria-o, mais do que tudo. Eram aqueles a que chamava amores incondicionais, de sempre e para sempre, com tudo e com nada.
                Pára o carro em frente ao portão de casa, deixa-o em ponto morto e pega no comando. Carrega no botão com a mesma suavidade de sempre, e deixa-se levar um pouco mais pelos pensamentos. Malditos. Não a deixam em paz. Porque é que temos estas necessidades básicas? Porque é que não podemos apenas sobreviver? Mete outra vez a primeira e entra em casa. Tira a chave da ignição, e a música deixa de tocar. Silêncio: o som da noite. Quando temos alguma sorte, talvez seja acompanhado pelo som de uma orquestra de grilos… Mas naquele dia, não. A lua já estava lá no alto quando tirou a chave de casa da mala e abriu a porta da cozinha. Descalçou os ténis e dirigiu-se para o quarto. Enquanto vestia o pijama e se refugiava debaixo dos lençóis, imaginou como seria viver em amor pleno. Como se sentiria antes de ir dormir? Qual seria a última imagem a passar-lhe pela mente antes mesmo de cair no sono? Mas enquanto estas questões lhes trespassam o ente como fisgadas, as pálpebras fecham suavemente e, com elas, os seus pensamentos. Mas na sua vez vieram os sonhos, assassinos em série de corações despedaçados, que teimam em mostrar aquilo que desejamos afastar. Mas também eles nos mostram aquilo que gostaríamos, um dia, de vir a viver. Baseiam-se nos nossos desejos, dizem aqueles que sabem alguma coisa sobre o assunto. Mas se continuarmos a viver de sonhos e desejos, quando é que temos tempo e vontade para cair na realidade, e lutar? Dizem que os sonhadores são os mais felizes. Eu discordo. Ela discorda. Os nossos corações discordam.