Há uma altura
da vida em que o amor perde a cor. Em que não acordamos e a primeira pessoa em
quem pensamos é aquela que sempre nos assaltava os pensamentos em noites
chuvosas. Em que não sentimos necessidade de falar com ela porque já sabemos
tudo acerca da sua vida. Em que não a procuramos no meio da multidão e
esperamos encontrar os seus olhos contra a nossa face a queimar-nos as
pestanas. Os sonhos deixam de ser delineados pelos desejos carnais e
emocionais, e passamos a sonhar com a conta da luz. Se for o caso, quando
acordamos já não sentimos um arrepio na espinha quando de manhã nos vemos a seu
lado. Não temos a necessidade de que ele aprecie dos almoços e jantares e nem
sequer nos preocupamos em questiona-los se gostaram. Já não nos preocupamos em
maquilhar-nos antes de uma noite romântica ou de vestir a lingerie nova. Aliás, já não existe uma noite romântica há muito
tempo.
Há uma altura
da vida em que o amor perde a cor. Pode ser com a idade e com a monotonia, mas
ela esvai-se. Mas o amor precisa de ser sempre colorido? Há um momento em que o
preto e o branco passam a ser as suas cores. Não deixa de ser amor: de manhã já
não nos arrepiamos porque já sabemos de cor o tom das suas faces depois de uma
noite de sono; não precisamos de saber se ele gosta dos nossos cozinhados
porque temos noção do que ele mais gosta ou não – odeia quando faço bacalhau à
brás mas delicia-se com um arroz de feijão. Não nos maquilhamos nem vestimos a
lingerie porque sabemos que não precisamos de os surpreender. Eles também nos
sabem de cor e salteado – sabem das rugas abaixo dos olhos e que a t-shirt
larga e que paira na gaveta dos pijamas há anos é a nossa roupa preferida. Não
existe intitulada uma "noite romântica" porque elas são-no
naturalmente.
Há uma altura
da vida em que o amor perde a cor. Mas é amor. E esse pequeno diabo é ao mesmo
tempo angelical. Encobre defeitos mas deixa-os à vista ao mesmo tempo. Dá
ênfase ao mais bonito que há em nós, mas também ao menos bonito. É por isso que
é amor. E tal como a roupa vai perdendo a cor ao longo dos tempos e das
lavagens, também o amor. Mas a roupa não deixa de ser roupa. E se for a nossa
peça preferida, deixamos se a usar? Não. Se for amor, há-de também sempre
assentar-nos da mesma maneira. Mudamos nós, muda ele, muda a vida. Mas nunca
deixa de ser o que é.
Adorei o texto mesmo, e tens toda a razão no que escreves :))
ResponderEliminarGostei muito do blog, estou a seguir!
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