sábado, 6 de dezembro de 2014

Bridges






 O nosso céu é o mesmo. Vivemos debaixo das mesmas estrelas e da mesma Lua e, todas as manhãs, cumprimentamos o mesmo Sol. As nuvens sob as nossas cabeças são as mesmas: os nossos pensamentos levitam até elas, misturam-se nelas. Passam a ser um só. O pensamento.
 Às vezes não temos a noção do quão pequeno é o globo em que habitamos e quantas possibilidades existem dos nossos caminhos se continuarem a cruzar. À luz dos olhos das crianças parece infinito mas, ao crescer, apercebemo-nos de que somos um mero floco de neve no meio da tempestade. Mas essa tempestade não deixa de ser pequena. O mundo é tão minúsculo que miramos o mesmo horizonte e partilhamos oxigénio. Partilhamos passos na calçada e a cadeira do autocarro. Ambos ouvimos a mesma música e, acima de tudo, partilhamo-nos um ao outro. Não nos apercebemos disso, vamos tentando esconder essa fraqueza de amar com um forte de dúvidas. Muitas vezes esquecemo-nos que nos temos um ao outro. Esquecemo-nos de recorrer um ao outro, ou demoramos a faze-lo. Mas no final, acabamos sempre por nos encontrar. E passamos a ser NÓS.
Afinal de contas, não partilhamos um mesmo horizonte? Seremos esse horizonte: único.

sábado, 22 de novembro de 2014

Sailor



               

                Já não te vejo há semanas. Antes de dormir, a tua imagem percorre-me a mente como se estivesse a correr a maratona e o efeito dela no meu corpo cansa-me mais do que se fosse eu própria a correr a maratona. Calafrios deixam-me os poros irritados desde os dedos dos pés até aos dedos das mãos. Fecho os olhos com mais força e aperto os punhos, na esperança de conseguir pontapear-te dos meus pensamentos: não resulta. Por mais que me tente concentrar em tudo menos em ti, é sempre para os teus braços que corro; até em sonhos.
                Partiste e, desde então, não tenho notícias tuas. Mesmo te conhecendo tão bem como conheço a marca que os teus lábios me deixam na testa quando a beijas, tenho receio que não voltes o mesmo. Dizem que a vida no mar muda as pessoas. Que os tempos sem as suas amantes, mesmo levando a fotografia para a cabeceira e o sentimento rasgado no peito, lhes esmaga a paixão pela vida e lhes enfraquece o coração. Lembro-me de ti sempre forte, com uma incapacidade de transparecer sentimentos que me fazia querer puxar ainda mais por ti e dar-te todo o amor que merecias e não merecias, mas mesmo assim tenho medo. Já devias ter voltado faz dias. Tento não trazer a tua memória sempre na algibeira mas o amor no coração. Mas não quero pensar nele porque o amor dói. E se não voltares, o amor vai doer ainda mais porque não vais estar cá para o compartilhar comigo. Tenho constantes pesadelos em que és encantado por sereias com a cor dos meus olhos e de cabelos iguais ao meu; depois de te lançarem o feitiço, agarram-se ao teu pescoço e afundas-te com elas… Até te esqueceres dos teus, de mim, e da vida.
                Todos os dias anseio que consigas, utilizando o telescópio, ver o farol. Imagino e ao mesmo tempo consigo sentir a tua emoção ao ver aquela pequena luz ao fundo do túnel de cheiro salgado, e a nascer-te uma esperança no ente. Rezo para que ele te ilumine o caminho até mim como tem feito ao longo de todo o tempo em que somos um do outro.
                Volta rápido, meu amor. Estou à tua espera, sempre.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Do u ever feel



               

                Vão-nos dizendo para sermos felizes. Afirmam que anda por aí fora alguém, à nossa espera, que não é a nossa metade mais-que-perfeita: não; é alguém que, apesar de diferente de nós, se encaixa. Que nos completa e torna melhores.
                O que as pessoas se esquecem é por aquilo que temos que passar até sermos realmente felizes. Quando ainda estamos no baloiçar da dúvida, vivendo os “e se” e com medo que tudo falhe. Vamos investindo em algo que ainda nada é, com esperanças de que vá crescendo e ganhe alicerces, mas sentimo-nos como marionetas: controladas pelo Outro, sem saber bem para onde se virar. Andamos à deriva. Claro que vamos conseguindo sentir a felicidade de quando a quando, mas muitas vezes a incerteza consegue esmaga-la e fazer-se sentir apenas a si própria. Não existe um botão que nos permita parar de pensar na possível cara-metade ou que nos faça afastar dela. Vamos usando os nossos próprios trunfos, tirados da manga da camisa que agora decidimos arregaçar, e tentamos que as coisas resultem. Queremos ser tudo. Queremos que nos amem como descrevem nos livros. Queremos ser motivos de poemas e músicas. Queremos alguém que, se calhar, se o tivéssemos, não o quereríamos ter…
                Desejamos sempre aquilo que não nos pertence. Ou melhor: aquilo que não temos. Antes de realmente ter, o que sabemos nós de preferências? Vamos amando às migalhas. Achando uma aqui e a ali, e a saboreá-las de quando a quando. Vamo-nos apaixonando, e nem damos por isso. Quando nos apercebemos, já mordemos o isco há bom tempo e agora é tarde demais para voltar atrás. Mesmo tentando içar a âncora para terra, já o barco está tão longe da costa que mal vemos o farol. Estamos presos numa rede invisível que nos ligar ao pescador. Agora a questão… será que este pescador quer aproveitar esta madrugada, ou vai voltar a deixar o peixe no mar?
                Não precisamos de declarações melodramáticas ou de peluches gigantes quando fazemos “semanas de amor”. Basta um olhar. Um beijo inesperado no canto do corredor, onde ninguém é capaz de testemunhar este carinho fugaz. Palavras saudosas antes de ir dormir. Só precisamos de saber que é verdadeiro.

sábado, 20 de setembro de 2014

Choices

                

                Foste o alinhar do Sol, da Lua e das estrelas. Estiveste no coração do tufão e saíste ileso. Pegaste em todos os grãos de areia de uma única praia e atiraste-os à mercê do vento. Tornaste o amargo em doce e transformaste a dor em alegria. Esfregaste a lamparina e convenceste o génio a dar-te cinco desejos. Olhaste para mim…
            Olhaste para mim. Abriste a porta do meu ente sem antes bater três vezes. Não tocaste no ferrolho. Mas entraste, de mansinho, pela fechadura. Não tocaste sequer à campainha e eu não sabia que estavas ali à espera. Mas quando me apercebi de ti ali no meio, a destoar do resto da mobília, focado no meio do desfoque que é a minha vida, especado a olhar para mim – olhos nos olhos, braços ao longo do corpo – eu vi. Vi-te. Vi-me. Vi-nos.
              Não é suposto o mundo parar quando encontramos o impossível no meio do possível. Quando não estamos à espera, quando achamos que não somos capazes de tocar em algo e, de repente, sentimos o roçar desse “algo” na nossa pele. É o que se diz… Que deixamos de ouvir tudo à nossa volta, deixamos de dar atenção aos demais, e só vemos aquela pessoa. O impossível no meio do possível. O homem da máscara que, finalmente, a deixa cair em cima da lama. A troca de olhares. E o passar ao lado.
           É esse o problema da humanidade. Passamos ao lado daquilo que nos faz bem, daquilo que desperta o que há de melhor em nós, para corrermos para algo mais fácil. Só porque aquilo que nos deixa mais feliz nos dá luta. De que serve chegar ao final da maratona se não sentimos o suor a escorrer-nos pela testa, a adrenalina a ferver-nos no sangue?
         Oh. É o esfervilhar do sangue e o palpitar tresloucado do coração acompanhado com o esvoaçar aleatório das borboletas no estômago que dão vontade de continuar. De tentar agarrar a chance antes de lhe passarmos ao lado.
               
        Ainda és a minha mistura de água e azeite. O meu caminhar na Lua sem usar o capacete de astronauta. A criança que não chora e a pessoa que não sofre. O impossível. Mas também és o meu olhar para os Céus e a contemplação das nuvens. O ir para a cama, pousar a cabeça, e adormecer nesse segundo. A mistura de um pastel de nata com um café. Um andar à chuva sem ficar doente. Um mergulhar na escuridão e emerger na claridade. O possível.

        Olhaste para mim.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

forgiving & stealing



               


                Quando o veneno se transforma em cura é hora de zarpar para outro lugar. Podia ser motivo para ficar, mas não. Se já foi veneno, por que raio poderia ser uma verdadeira cura? Talvez a curto prazo, sim. Mas mais tarde ou mais cedo, quando o apaziguar da dor se espalhasse por cada veia de cada centímetro do nosso corpo, a amenização seria maximização. Se a cura já foi veneno, então também ela pode voltar a matar. Se alguém nos magoa, como haveremos de acreditar que essa exata pessoa, após ter arrancado cada parte do nosso corpo com um olhar, uma para cada canto do universo, pode ajoelhar-se no chão com o fôlego a fugir-lhe do peito e a tentar colar todos os pedacinhos daquilo que tinha sido outrora o órgão bombardeador de sentimentos amaldiçoados para o nosso corpo despedaçado? Quem remenda, volta a rasgar. Quem rasga, pode remendar. Mas… porquê? Será que quando tocamos nas cicatrizes não sentimos o exato sofrimento daquilo que nos atormentou? Como se costuma dizer: é tocar na ferida.
                Não é impossível. Por mais que o nosso coração seja violado vezes e vezes sem conta, existe sempre um pequeno interruptor nele que nunca parte, que nunca avaria, que nunca deixa de funcionar. Não é estranho, muitos são os filmes que nos mostram como as tecnologias têm sempre um botão de autodestruição. E essa capacidade – ou fraqueza, vai dar ao mesmo – é o nosso botão de autocomiseração. Pode servir-nos para seguir em frente… mas também pode levar-nos a dar passos de caranguejo. Regressar àquele refúgio que, um dia, foi o nosso cantinho preferido: os braços do ladrão desastrado. Aquele que ao passar por todos os aparelhos de segurança altamente desenvolvidos consegue pegar no tão guardado e obscuro “objeto” precioso mas, ao sair do edifício, tropeça na escada da saída das traseiras e deixa cair, por distração, aquilo que já é mais seu do que do próprio dono.
                Perdoar. É isso que faz com que não fujamos a sete pés quando o veneno se transforma em cura. É esse verbo que nos faz atirar pelo precipício as dúvidas e medos, e nos empurra também para ele. Agora resta saber: será que temos uma rede lá embaixo que nos ampare?