quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

the end

Sabia que estava quase a perder-te. Sentia parte de mim a ir embora contigo, e todo o meu ente começava a ser preenchido por um vazio descomunal. Eu própria estava a ser levada na tua corrente de luz...
Apertei-te as mãos mais fortemente ainda a tempo de tu pestanejares várias vezes e, com dificuldade, abrir um pouco os olhos e sorrires. Não me deixaste, disseste, numa voz rouca que mal se ouvia. E nunca irei deixar, afirmei com firmeza. Voltaste a fechar os olhos e foi aí que a tua aceleração cardíaca começou a diminuir lentamente. O barulho de todas aquelas máquinas deixava-me em baixo, pois fazia-me relembrar vezes sem conta do sítio onde estava. E ver-te ali, tão pálido, com os olhos tão encovados que parecias já ter ido embora há semanas, deixava-me também doente. 
Tudo começou há meio ano atrás. Aliás, tudo acabou aí: a nossa felicidade e a nossa vida. Quando te foi diagnosticado, a tua sentença já estava lida. E a partir desse dia todas as tuas forças foram descendo de nível até se esgotarem por completo. Hoje foi o dia escolhido para ganhares asas e voares para além das nuvens.
Amo-te, digo-te baixinho. Não espero resposta, e também não me importo. Enquanto suspiro, já as lágrimas me escorrem pela cara abaixo até caírem na tua mão. Não chores, sussurraste, eu vou estar sempre contigo. E nesse momento os sons de todas as máquinas tornaram-se num uníssono estridente o qual me espetou uma faca profundamente no corpo. 
Levantei-me, dei-te um beijo na testa fria e olhei para ti; deitado numa cama branca sob lençóis brancos. Nunca imaginei que o teu fim fosse assim... Merecias melhor. 
Saí do quarto, do hospital e da cidade. Tentei esquecer tudo, mas aqui estou eu. Dez anos depois a relembrar-te e a relembrar os dias em que ainda tínhamos o mundo todo por explorar. E não houve um único dia em que a minha mente estivesse longe de ti. A tua promessa foi cumprida: sinto sempre a tua mão no meu ombro, e agradeço-te por isso.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

regresso

Estava a chover torrencialmente quando eu entrei em minha casa e os meus olhos combinavam com o tempo lá fora. Esqueci-me de trancar a porta e deixei-a fechar levemente atrás de mim, tirei a gabardina encharcada do meu corpo e atirei-a para o chão ferozmente. Descalcei os sapatos atirando-os um para cada ponta da sala e fui até à cozinha beber um copo de água. Além de o Céu combinar também com o meu estado de espírito, tudo em mim transpirava trovoada e relâmpagos. Éramos assim, eu e o mau tempo, amigos de longa data.
Depois de ter fechado a porta do meu apartamento, tinha deixado uma etapa da minha vida lá fora, completamente enterrada no meio da lama. Despi a roupa, a qual deixei no meio do chão da cozinha e fui até ao quarto. Abri as janelas para ouvir bem a chuva, mas fechei as cortinas. Recostei-me na cabeça da cama, juntei os joelhos ao peito e fechei os olhos: nesse momento, a pressão da fonte que surgia deles, aumentou. Todas as minhas muralhas tinham desabado, e agora até uma fisga era capaz de fazer abanar o meu castelo de palha. Eu própria estava presa por um fio... Qualquer abanão, ao de leve, era capaz de me pôr abaixo
As gotas a cair no chão acalmavam-me. Faziam-me recordar que, tal como muitas daquelas gotas encontraram novamente o caminho para casa - visto que eu morava perto do rio - também eu havia de encontrar o meu. Por mais tempo que demorasse, eu iria conseguir. 
Quando começou a escurecer, ainda eu permanecia naquela posição de estatueta, sem mexer um músculo visivelmente. O único músculo que realmente mexia em mim, sem parar, constante e loucamente, era o que trabalha do lado esquerdo do peito. Incansável. Aguenta a minha carcaça dias e dias sem uma única reclamação.
A chuva acalmara, mas o meu batimento cardíaco não lhe acompanhou o ritmo. Desta vez, o meu coração parecia querer sair-me disparado pela boca, sem me dar tempo para um último fôlego. Foi aí que o vento começou a soprar e as cortinas a voarem que nem umas loucas. Levantei-me e fechei a janela, e nesse momento a campainha tocou. À pressa, meti os cobertores em volta do meu corpo e corri até à porta da entrada; quando espreitei e vi quem era todas as paredes que restavam do meu forte caíram, fazendo um enorme estrondo. O meu coração disparou, e eu senti o sangue quase a fugir-me das veias. Abri a porta de rompante e nem tive tempo para olhar para ti. Abraçaste-me fortemente e nesse momento tudo em mim acalmou. As lágrimas cessaram e a nostalgia apoderou-se de todo o meu corpo. E enquanto eu dava graças por estares ali comigo e inspirava o teu perfume vezes sem conta para nunca o conseguir tirar das minhas entranhas, tu repetias vezes sem conta Não me vou embora.

sábado, 7 de janeiro de 2012

dream vs nightmare

Estava mesmo quase a agarrá-lo, a tocar-lhe; e já há tanto tempo que não o fazia... quando acordei. Por milésimas de segundo, o impossível praticamente dava uma reviravolta e transformava-se em possível
Naquelas horas em que dormi, até ao momento em que abri os olhos para a realidade, parecia que eu tinha parado o relógio que estava na cabeceira e quase tempo nenhum tinha passado. Era como se o mundo inteiro tivesse ficado especado a olhar para mim ali, no meio de todos os lençóis e cobertores emaranhados no meu corpo, os quais transformei numa selva enquanto quase consegui o que queria. 
É o que se diz, que sonhamos com o que mais queremos. E ali estavas tu, servido de bandeja. E ali estava eu, a tremer, com o estômago às voltas, as lágrimas a abrirem caminho dos olhos até ao pescoço, e a olhar para ti, questionando-me acerca da validade daquele momento. Parecia demasiado fácil. Mas sou dada a loucuras e, vagarosamente, lancei a minha mão ao teu rosto sorridente e melancólico ao mesmo tempo: estavas tão impávido e sereno que nem parecias tu próprio, que sempre foste dotado de um nervoso miudinho. Parecia que te conhecia desde sempre... Todos os teus traços continuavam intactos como da última vez que te vi. Mas antes de conseguir comprovar que não estava insana, o relógio voltou a funcionar.
Como os pensamentos matam mais rapidamente do que os sonhos, decidi recostar novamente a cabeça à almofada, e senti-me a ser tele-transportada. Quando voltei a abrir os olhos, sentia-me aconchegada. Estavas com o braço por cima de mim, e tínhamos cobertores até ao pescoço. Virei-me para ti e dormias tão tranquilamente, como se nunca te tivesses apercebido de que eu tinha tido um pesadelo. E nesse pesadelo, tu não estavas comigo.