sábado, 23 de junho de 2012

move on, little girl



Já é uma rotina. Todos os dias levanto-me tremendamente empolgada, o coração a escorrer esperança e os olhos radiados de sangue pela noite passada; salto da cama e corro até à caixa do correio, descalça, sem agasalhos... só para ver se tinha alguma resposta tua. Mas, como normal, só tenho o jornal dentro da caixa. Pego nele, atiro-o para o meio da estrada e, cabisbaixa, volto para casa... As lágrimas emolduram-me o rosto e tomam o lugar da maquilhagem que devia ter para tapar toda a dor que me destrói nos últimos anos.
É estranho continuar a sentir a presença de uma pessoa na nossa vida, quando já não a vemos há anos. Ainda há uma chama pequenina dentro de mim e, por mais que eu sopre, ela não se apaga: parece que alguém está sempre a meter azeite para a alimentar, não me permitindo seguir em frente. 
Todos os meses lhe escrevo uma carta... Todas no mesmo dia, à mesma hora e no mesmo sítio - no dia em que se foi embora, à hora em que me apercebi que tinha sido para sempre e no sítio para onde íamos todos os domingos à tarde. Não há ninguém que consiga fazer sarar as cicatrizes que ele me deixou... No fundo, acho que passámos demasiado tempo juntos. Partilhámos demasiadas coisas um com outro... Na verdade, éramos mais irmãos do que amantes. Éramos. Agora já não sei nada! Tem meses em que só escrevo a carta e não a envio logo... Mas dias depois sinto uma enorme saudade e tenho tendência para começar a lamentar-me por não o ter feito, acabando por enviá-la. São praticamente todas a dizer o mesmo; o típico de nós, mulheres. Cartas perfumadas, com um envelope feito à mão muito delicadamente, cheio de palavras carinhosas e saudosas, com um pedido de retorno no final. Eu nunca tive a sorte de ter resposta... E todas as noites, quando me ponho a pensar no que passei e no que ainda passo, martirizo-me por continuar a estar tão ligada a ele quando - quase aposto -, ele nem se lembra da minha existência. Oh. Foram tantas as noites que desperdicei a pensar naqueles dias de calor em que estávamos no banco da varanda a apreciar o pôr-do-sol. Tudo parecia vindo de um livro. 
Mas naquele dia, todo esse conto de fadas passou a inferno. O castelo que eu comecei a construir à minha volta, para me preparar quando tivesse a certeza de que não valia a pena ter a mínima esperança, serviu de pouco. Foi uma leve brisa, e ele desmoronou-se por completo... 
Fui à caixa do correio e tinha um aviso para me dirigir ao centro de correios mais próximo, pois tinha lá uma encomenda. Claro que naquele momento tudo me passou pela cabeça: seria uma caixa de bombons com um pedido de desculpas? Seria ele dentro de uma caixa enorme? Seria uma carta tão extensa que nem era considerada carta? Nada disso seria suficiente, mas alguma coisa, por mais mínima que fosse, bastava-me.
Não me passou pela cabeça ser o que era: cheguei lá e o que me deram foi um enorme caixote. Não o abri logo... Vim a guiar até casa muito devagar, não a tentar não ter um acidente, mas sim a tentar não vomitar com o turbilhão de emoções que sentia. O que seria?!
Entrei dentro de casa e pousei o caixote em cima do sofá. Tremia dos pés à cabeça. A minha curiosidade era enorme, mas o medo recalcava-a por completo. Sentei-me ao lado dela, mas não aguentei mais. Abri-a.
(Silêncio)
Não podia acreditar. Eram as cartas. Todas as cartas que eu fui enviando ao longo deste tempo todo... Todas fechadas, intocadas... Estava incrédula. Ele tinha desaparecido. E não havia nada a fazer. 
(Silêncio)
 E enquanto se ouvia o crepitar da lareira alimentada pelas cartas, as lágrimas foram enchendo a casa; durante dias. Não havia consolo suficiente que pudesse acalmar a flecha que se tinha espetado no peito. E enquanto todas aquelas palavras, todas aquelas declarações eram queimadas, também o sentimento que as fez nascer o era.