sexta-feira, 29 de maio de 2015

Rescue You

Procuras por ela em cada canto. Tentas encontra-la em cada objeto que pegas e por cada lugar que passas. Tentas vê-la nas árvores ou atrás dos arbustos, como se soubesses exatamente onde poderias encontra-la mesmo que ela não se escondesse. Procuras no mar, no céu, nas nuvens, e na lua. Ainda assim, sentes-te incompleto. Precisas do toque e da certeza que ela está ali, ainda que não sejam as mãos dela ou o coração dela debaixo daquele peito que pensas ser teu. Buscas pela sua presença, mas agora nos outros. Imagina-la e sonhar com ela não é suficiente, e aquilo de que precisas já é mais carnal do que espiritual. Não há plenitude em ti sem que saibas que está ali alguém que te cuide, ainda que na maioria das vezes te faças muito senhor do teu nariz, te feches, e não o permitas. Tu queres, mas não te dás de volta. Desejas sentir-te cheio - seja lá do que for - e esqueceste de que aquela que pensas ser A Substituta de quem procuras, é igualmente uma pessoa. Mesmo sabendo que não há quem possa ocupar o lugar dela, lugar esse de onde a tiraste praticamente ao pontapé, continuas a tentar.
Procuras pelos olhos dela naquelas que passam por ti na rua e te sorriem, esquecendo-te que ela também sorria com os olhos; procuras pelos cabelos, tendo a certeza que aquilo que os segura, é bem diferente do d'As Outras; tentas encontrar a estranheza dela na timidez das que partilham contigo um banco, mas parece que deixaste de compreender que era isso que mais vos ligava um ao outro, e que não há maneira de a reencontrar.
É certo que continua ali. Vai observando o teu percurso, e fazendo o dela em paralelo. Lembrou-se que precisava de pensar em si própria, e partiu os carris que a levavam a cruzar-se no teu caminho outra vez. Mas não se esqueceu que tu existes. Só está à espera que as coisas melhorem e que, mais importante, tu melhores. É mau estar doente do coração, principalmente quando essa maleita é transmissível.

Cuida de ti, meu pequeno. Ela só quer que cuides de ti.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Tempo que mata

               

               As horas foram passando, e com o roçar leve dos tique-taques na base do relógio, fui-me apercebendo daquilo que me rodeava. Vislumbrei o mundo que estava à minha volta, baixei a guarda que me cegava com o coração, e compreendi. Nunca somos Únicos para ninguém. Nunca marcamos tanto quanto pensamos. Por vezes, é a nossa esperança que nos faz acreditar que sim – que, com as nossas próprias mãos, cravámos uma história na pele de outrem e que essa história não é soprada pelo vento do tempo. O bom desta descoberta é que, pela primeira vez em muito tempo, o nosso mundo não ruiu. Parece que o passar das horas também foi montando uma cama de penas que abafou a nossa queda e que depressa nos levantou a cabeça; observamos a vida à nossa volta, e sentimo-nos plenos. Percebemos que o que foi, está no passado, e às vezes é mesmo preciso mudar de página, de capítulo, de livro, ou até de volume ou saga. É necessário conseguir olharmo-nos ao espelho e não nos vermos como atores secundários da peça em que deveríamos ser principais, imaginando aquela que achávamos ser um espécime de alma gémea com a mão no nosso ombro – mais a tocar no coração. É altura de atentar no que é realmente importante, e começar a deixar de parte aquilo que um dia nos tirou um pedaço… É certo que ele nos faz falta, mas se voltasse, já não se moldaria em mim. Com todas as batalhas, não sou a mesma pessoa. Os pontapés que me foram dando de quando a quando, e que eu afagava com sentimento, passaram a ser-me imunes. Muito se diz que o que não nos mata, nos torna mais fortes: e não é que percebo que agora é verdade?
                Claro que as coisas não se esvaem assim do nada. Tal como uma pequena semente gera uma enorme flor se for regada decentemente, basta eu esquecer-me de uma migalha de ti por entre o meu peito. Mas desta vez, farei de tudo para que ela não rejuvenesça. Já chega, é altura de ir embora. É altura dos ponteiros do relógio pararem, e eu atira-lo ao mar.