quinta-feira, 14 de maio de 2015

Tempo que mata

               

               As horas foram passando, e com o roçar leve dos tique-taques na base do relógio, fui-me apercebendo daquilo que me rodeava. Vislumbrei o mundo que estava à minha volta, baixei a guarda que me cegava com o coração, e compreendi. Nunca somos Únicos para ninguém. Nunca marcamos tanto quanto pensamos. Por vezes, é a nossa esperança que nos faz acreditar que sim – que, com as nossas próprias mãos, cravámos uma história na pele de outrem e que essa história não é soprada pelo vento do tempo. O bom desta descoberta é que, pela primeira vez em muito tempo, o nosso mundo não ruiu. Parece que o passar das horas também foi montando uma cama de penas que abafou a nossa queda e que depressa nos levantou a cabeça; observamos a vida à nossa volta, e sentimo-nos plenos. Percebemos que o que foi, está no passado, e às vezes é mesmo preciso mudar de página, de capítulo, de livro, ou até de volume ou saga. É necessário conseguir olharmo-nos ao espelho e não nos vermos como atores secundários da peça em que deveríamos ser principais, imaginando aquela que achávamos ser um espécime de alma gémea com a mão no nosso ombro – mais a tocar no coração. É altura de atentar no que é realmente importante, e começar a deixar de parte aquilo que um dia nos tirou um pedaço… É certo que ele nos faz falta, mas se voltasse, já não se moldaria em mim. Com todas as batalhas, não sou a mesma pessoa. Os pontapés que me foram dando de quando a quando, e que eu afagava com sentimento, passaram a ser-me imunes. Muito se diz que o que não nos mata, nos torna mais fortes: e não é que percebo que agora é verdade?
                Claro que as coisas não se esvaem assim do nada. Tal como uma pequena semente gera uma enorme flor se for regada decentemente, basta eu esquecer-me de uma migalha de ti por entre o meu peito. Mas desta vez, farei de tudo para que ela não rejuvenesça. Já chega, é altura de ir embora. É altura dos ponteiros do relógio pararem, e eu atira-lo ao mar.


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