As
horas foram passando, e com o roçar leve dos tique-taques na base do relógio,
fui-me apercebendo daquilo que me rodeava. Vislumbrei o mundo que estava à
minha volta, baixei a guarda que me cegava com o coração, e compreendi. Nunca
somos Únicos para ninguém. Nunca marcamos tanto quanto pensamos. Por vezes, é a
nossa esperança que nos faz acreditar que sim – que, com as nossas próprias
mãos, cravámos uma história na pele de outrem e que essa história não é soprada
pelo vento do tempo. O bom desta descoberta é que, pela primeira vez em muito
tempo, o nosso mundo não ruiu. Parece que o passar das horas também foi
montando uma cama de penas que abafou a nossa queda e que depressa nos levantou
a cabeça; observamos a vida à nossa volta, e sentimo-nos plenos. Percebemos que
o que foi, está no passado, e às vezes é mesmo preciso mudar de página, de
capítulo, de livro, ou até de volume ou saga. É necessário conseguir
olharmo-nos ao espelho e não nos vermos como atores secundários da peça em que
deveríamos ser principais, imaginando aquela que achávamos ser um espécime de alma
gémea com a mão no nosso ombro – mais a tocar no coração. É altura de atentar
no que é realmente importante, e começar a deixar de parte aquilo que um dia
nos tirou um pedaço… É certo que ele nos faz falta, mas se voltasse, já não se
moldaria em mim. Com todas as batalhas, não sou a mesma pessoa. Os pontapés que
me foram dando de quando a quando, e que eu afagava com sentimento, passaram a
ser-me imunes. Muito se diz que o que não nos mata, nos torna mais fortes: e
não é que percebo que agora é verdade?
Claro
que as coisas não se esvaem assim do nada. Tal como uma pequena semente gera
uma enorme flor se for regada decentemente, basta eu esquecer-me de uma migalha
de ti por entre o meu peito. Mas desta vez, farei de tudo para que ela não
rejuvenesça. Já chega, é altura de ir embora. É altura dos ponteiros do relógio
pararem, e eu atira-lo ao mar.
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