Quando
o veneno se transforma em cura é hora de zarpar para outro lugar. Podia ser
motivo para ficar, mas não. Se já foi veneno, por que raio poderia ser uma
verdadeira cura? Talvez a curto prazo, sim. Mas mais tarde ou mais cedo, quando
o apaziguar da dor se espalhasse por cada veia de cada centímetro do nosso
corpo, a amenização seria maximização. Se a cura já foi veneno, então também
ela pode voltar a matar. Se alguém nos magoa, como haveremos de acreditar que
essa exata pessoa, após ter arrancado cada parte do nosso corpo com um olhar,
uma para cada canto do universo, pode ajoelhar-se no chão com o fôlego a
fugir-lhe do peito e a tentar colar todos os pedacinhos daquilo que tinha sido
outrora o órgão bombardeador de sentimentos amaldiçoados para o nosso corpo
despedaçado? Quem remenda, volta a rasgar. Quem rasga, pode remendar. Mas…
porquê? Será que quando tocamos nas cicatrizes não sentimos o exato sofrimento
daquilo que nos atormentou? Como se costuma dizer: é tocar na ferida.
Não
é impossível. Por mais que o nosso coração seja violado vezes e vezes sem conta,
existe sempre um pequeno interruptor nele que nunca parte, que nunca avaria,
que nunca deixa de funcionar. Não é estranho, muitos são os filmes que nos
mostram como as tecnologias têm sempre um botão de autodestruição. E essa
capacidade – ou fraqueza, vai dar ao mesmo – é o nosso botão de autocomiseração.
Pode servir-nos para seguir em frente… mas também pode levar-nos a dar passos
de caranguejo. Regressar àquele refúgio que, um dia, foi o nosso cantinho
preferido: os braços do ladrão desastrado. Aquele que ao passar por todos os
aparelhos de segurança altamente desenvolvidos consegue pegar no tão guardado e
obscuro “objeto” precioso mas, ao sair do edifício, tropeça na escada da saída
das traseiras e deixa cair, por distração, aquilo que já é mais seu do que do
próprio dono.
Perdoar.
É isso que faz com que não fujamos a sete pés quando o veneno se transforma em
cura. É esse verbo que nos faz atirar pelo precipício as dúvidas e medos, e nos
empurra também para ele. Agora resta saber: será que temos uma rede lá embaixo
que nos ampare?
Perdoar é tão difícil... mas também o é capturar uma alma, e isso fazes sempre que escreves.
ResponderEliminar"Por mais que o nosso coração seja violado vezes e vezes sem conta, existe sempre um pequeno interruptor nele que nunca parte, que nunca avaria, que nunca deixa de funcionar." sempre encantadora
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