Apercebi-me
que deixei de te sentir quando atravessava a estrada e não te via em todos os
rostos que me fitavam. Quando os nossos olhares se cruzavam, todos eles me
contavam uma história: mas nenhuma delas era a nossa. Umas eram mais bonitas
que outras, outras um pouco patéticas mas, do seu jeito, românticas.
A rotina tomou conta de mim. Os
pensamentos vagueavam por ruas com placas a que eu não sabia dar o correto
significado, o coração havia sido cosido pelas meigas mãos do tempo e, sem dar
por isso, um dia adormeci sem te ter no meu pensamento. Só hoje dei conta
disso. Mas questiono-me: será que os nossos palpitares cardíacos ainda estão em
sintonia, ou já andamos a seguir pautas com diferentes notas musicais?
Quando vou ao jardim, são muitas
as pessoas que vou observando. Estranhos que não me conhecem, e aos quais não
sou capaz de transmitir a minha, tua e nossa história. Mas gostava. Assim seria
capaz de a deitar para fora de mim e, de certa forma, esquecê-la. Deixámos de
ser metades de uma única peça de puzzle quando deixei de esperar encontrar-te
lá, sentado exatamente no ponto central do relvado, quando ouvia e sentia o som
de uma harmónica. O que antes era o estímulo principal para me levar a esquecer
a saia rodada e a correr por ali fora para poder cair nos teus braços, agora
não é nada. As veias já não vibram, as pernas já não querem movimentar-se
alternada e freneticamente, o meu órgão pensador não anseia pela tua imagem.
Passo rapidamente pelo rapaz desconhecido e de pernas cruzadas, com livros aos
quais não quero sequer conhecer o título e ignoro a sua presença.
Quando nos esquecemos de
esquecer, é quando se esvai. As emoções ficam enterradas no ente, e nem um
apocalipse é capaz de as reaver. Mas… Não há acontecimentos mais fortes que o
mundo a abanar, vulcões a explodir, o Sol a encontrar-se com a Lua, a
ressurreição de Romeu e Julieta e um Hitler versão 2.0?
Há.
Quando nos apercebemos que, se
calhar, andamos a tentar enganar-nos a nós próprios. E essa é a pior traição
que pode existir.
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