segunda-feira, 18 de agosto de 2014

forgiving & stealing



               


                Quando o veneno se transforma em cura é hora de zarpar para outro lugar. Podia ser motivo para ficar, mas não. Se já foi veneno, por que raio poderia ser uma verdadeira cura? Talvez a curto prazo, sim. Mas mais tarde ou mais cedo, quando o apaziguar da dor se espalhasse por cada veia de cada centímetro do nosso corpo, a amenização seria maximização. Se a cura já foi veneno, então também ela pode voltar a matar. Se alguém nos magoa, como haveremos de acreditar que essa exata pessoa, após ter arrancado cada parte do nosso corpo com um olhar, uma para cada canto do universo, pode ajoelhar-se no chão com o fôlego a fugir-lhe do peito e a tentar colar todos os pedacinhos daquilo que tinha sido outrora o órgão bombardeador de sentimentos amaldiçoados para o nosso corpo despedaçado? Quem remenda, volta a rasgar. Quem rasga, pode remendar. Mas… porquê? Será que quando tocamos nas cicatrizes não sentimos o exato sofrimento daquilo que nos atormentou? Como se costuma dizer: é tocar na ferida.
                Não é impossível. Por mais que o nosso coração seja violado vezes e vezes sem conta, existe sempre um pequeno interruptor nele que nunca parte, que nunca avaria, que nunca deixa de funcionar. Não é estranho, muitos são os filmes que nos mostram como as tecnologias têm sempre um botão de autodestruição. E essa capacidade – ou fraqueza, vai dar ao mesmo – é o nosso botão de autocomiseração. Pode servir-nos para seguir em frente… mas também pode levar-nos a dar passos de caranguejo. Regressar àquele refúgio que, um dia, foi o nosso cantinho preferido: os braços do ladrão desastrado. Aquele que ao passar por todos os aparelhos de segurança altamente desenvolvidos consegue pegar no tão guardado e obscuro “objeto” precioso mas, ao sair do edifício, tropeça na escada da saída das traseiras e deixa cair, por distração, aquilo que já é mais seu do que do próprio dono.
                Perdoar. É isso que faz com que não fujamos a sete pés quando o veneno se transforma em cura. É esse verbo que nos faz atirar pelo precipício as dúvidas e medos, e nos empurra também para ele. Agora resta saber: será que temos uma rede lá embaixo que nos ampare?

2 comentários:

  1. Perdoar é tão difícil... mas também o é capturar uma alma, e isso fazes sempre que escreves.

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  2. "Por mais que o nosso coração seja violado vezes e vezes sem conta, existe sempre um pequeno interruptor nele que nunca parte, que nunca avaria, que nunca deixa de funcionar." sempre encantadora

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