terça-feira, 30 de novembro de 2010

identidade

Passo os dias nisto. As teclas começam a ficar gastas. Mas eu continuo a amar este instrumento e a sua melodia com toda a minha alma. Se sinto a tua falta, afogo as mágoas nele. Sento-me no banco que começa a ficar fraco, fecho os olhos, e começo a tocar o que me vier nas veias. Toco com o coração. As horas vão passando, e cada minuto é preciso para eu voltar-me a sentir bem como antes. As lágrimas escorrem-me pelas faces, descem pelo pescoço e acabam-me no peito. Arrepio-me, mas continuo a tocar. Esqueço o que me espera lá fora. Troco todos os meus pensamentos por um Dó ou por um Si.
Podem-me agarrar os ombros e abanar-me todo o corpo, podem gritar nos meus ouvidos... Mas eu não estou neste Mundo. Aliás, há dias em que eu penso que não pertenço aqui. Não sou, definitivamente, normal. Sou de poucas palavras, ando sempre cabisbaixa, e a única coisa que me faz sentir eu própria é tocar piano. Abre-me as asas, dá-me um empurrão e eu voo ao sabor do vento e do cheirinho a Outono. É mais do que um passatempo: é uma vida.
Tirem-me as mãos, mas matem-me logo de seguida. Quem seria eu sem isto? Já
não sou ninguém, mas seria de um nível ainda mais abaixo.

Sinto o cabelo à frente dos olhos, mas não vou parar para o tirar. Não me incomoda.
Gosto de sentir a intensidade do som que as minhas mãos produzem, e, sendo possível de imaginar, vou-me movimentando ao ritmo da música. Não, não sou filha de Beethoven... Mas sou filha de Deus. Isso não conta?

Não tenho dificuldade em encontrar a tecla certa, e não costumo errar nas notas. As pautas já saíram da minha frente faz alguns anos; faço a minha própria música, e as pautas estão no meu coração... são a minha identidade.
Quando a inspiração acaba e a dor desvanece, abro os olhos e sinto-me como nova. É como se tivesse recomeçado a minha vida. Agora, um trovão podia-me atingir, podia ser atropelada. Até tu, podias-me deixar sozinha. Eu iria em paz, completa. Porque nós nunca perdemos a nossa identidade, ela vai connosco para lá, para bem longe, e nunca poderá ser apagada.
Mas como te incluo nas minhas pautas, tu irás comigo também.


«(...)
Quando perco a melodia
Do sol, do meio-dia
No meio do mundo sozinho
O piano toca almas
Em notas ébrias e calmas
Solfejo tonto de vinho.
A vida é um compasso
Feito a passo e arrasto
Lápides tantas após ano…
Onde me esqueço de mim
E só me lembro por fim…
Quando alma chora em piano.»

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