domingo, 6 de julho de 2014

A trip to her dreams



               


                Passavam 33 minutos das doze badaladas quando ela entra no carro. Está escuro e não está ninguém na rua. O tempo ficou um pouco mais fresco, mas não se fazia sentir frio. Destrancou o carro, sentou-se suavemente no banco enquanto ajeitava a saia e prendeu o cinto. Ligou o motor, meteu a primeira mudança, acendeu os faróis e destravou o carro. Mesmo antes de seguir para casa, tinha decidido que não ia pelo meio dos montes, não só por ter um pouco do receio de o que quer que se atravessasse a meio da estrada, mas também porque parecia ser um caminho, naquele momento, mais longo (embora seja aquele que sempre toma) e que, por isso, iria fazer com que estivesse mais tempo sozinha. E mais tempo sozinha era sinónimo de pensar mais – ela não queria isso. Não naquele dia.
                Naquele dia ela tinha-se apercebido que queria muito mais, que precisava de muito mais. Olhava com ternura mas ao mesmo tempo um nó no coração para pessoas que tinham entre si entrelaçados muito mais do que dedos, e via o quanto precisava de ter um «algo» assim. Podia até nem combinar com ela, mas desde pequena que se tinha habituado a histórias de encantar embora nunca tenha feito parte de nenhuma; sempre se viu como uma romântica de alma e coração, apesar de poucas vezes este lhe tenha sido realmente roubado. Eram só pequenos pedacinhos que lhe iam levando, de quando a quando, e que depois, com algum custo, ela reconstruía. Quando ele era levado por inteiro, via-se com as artérias na sua mão a gritarem Socorro! e a suplicarem que corresse atrás do ladrão desafortunado – que pensava ali levar um grande tesouro, quando levava um espécime de órgão propulsor tão comum como qualquer outro, tão sem valor como o de outra qualquer rapariga que ama sempre sem dó nem piedade, e depois se esquece de se amar a si própria. Correu atrás uma vez, durante meses e meses, sem pistas ou mapas, sempre com o sorriso estampado no rosto e a esperança no peito: mas apareceu-lhe um buraco pelo caminho e ela caiu no abismo. E o jogo de juntar os pedacinhos recomeçou, quando esbarrou de cara no chão frio e solitário do fim da viagem.
                Naquele dia, a rapariga compreendeu que existia muito mais para além do que tinha vivenciado até ali. E ela queria-o, mais do que tudo. Eram aqueles a que chamava amores incondicionais, de sempre e para sempre, com tudo e com nada.
                Pára o carro em frente ao portão de casa, deixa-o em ponto morto e pega no comando. Carrega no botão com a mesma suavidade de sempre, e deixa-se levar um pouco mais pelos pensamentos. Malditos. Não a deixam em paz. Porque é que temos estas necessidades básicas? Porque é que não podemos apenas sobreviver? Mete outra vez a primeira e entra em casa. Tira a chave da ignição, e a música deixa de tocar. Silêncio: o som da noite. Quando temos alguma sorte, talvez seja acompanhado pelo som de uma orquestra de grilos… Mas naquele dia, não. A lua já estava lá no alto quando tirou a chave de casa da mala e abriu a porta da cozinha. Descalçou os ténis e dirigiu-se para o quarto. Enquanto vestia o pijama e se refugiava debaixo dos lençóis, imaginou como seria viver em amor pleno. Como se sentiria antes de ir dormir? Qual seria a última imagem a passar-lhe pela mente antes mesmo de cair no sono? Mas enquanto estas questões lhes trespassam o ente como fisgadas, as pálpebras fecham suavemente e, com elas, os seus pensamentos. Mas na sua vez vieram os sonhos, assassinos em série de corações despedaçados, que teimam em mostrar aquilo que desejamos afastar. Mas também eles nos mostram aquilo que gostaríamos, um dia, de vir a viver. Baseiam-se nos nossos desejos, dizem aqueles que sabem alguma coisa sobre o assunto. Mas se continuarmos a viver de sonhos e desejos, quando é que temos tempo e vontade para cair na realidade, e lutar? Dizem que os sonhadores são os mais felizes. Eu discordo. Ela discorda. Os nossos corações discordam.
               

2 comentários:

  1. "que pensava ali levar um grande tesouro, quando levava um espécime de órgão propulsor tão comum como qualquer outro, tão sem valor como o de outra qualquer rapariga que ama sempre sem dó nem piedade, e depois se esquece de se amar a si própria."
    Quem escreve assim, vive diferente, tem um coração diferente, ama de forma diferente. Nunca julgues que és semelhante.
    E ama a vida. Quem a ama apaixona-se todos os dias e adormece sempre na felicidade do que é eterno... mas que seja o nada.
    Depois, aí sim, corre atrás dos teus sonhos!

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  2. fantástico, fantástico. sempre que cá vens encantas-me um pouco mais!

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