No meio da confusão,
apercebi-me. Por entre apontamentos coloridos, folhas espalhadas, saberes por
aprender e palavras por dizer, apercebi-me. Provavelmente já o sabia, no entanto
teimava em achar que o defeito não era meu. Se já tinhas tantos, como outra
pessoa qualquer, porque não haverias de ter outro? Mas, desta vez, talvez
tenha sido eu a enganar-me.
Passara os últimos tempos a
achar que ele tinha uma venda nos olhos que o impossibilitava de ver que éramos
feitos um para o outro: não éramos carne da mesma carne, ou sangue do mesmo
sangue, mas completavamo-nos como um café e uma nata. Tu e eu. Éramos tu e eu.
Convenci-me de que o único problema aqui era a incapacidade dele de amar
alguém, o medo de dar um passo em frente, e o único desejo de receber e pouco
dar. Mas até que ponto será isso verdade?
Virei uma página e tentei
deixa-lo nela. No entanto, enquanto a escrevia, borratei a mão com a caneta
ainda por secar, e ele foi deixando rastos na página seguinte. De quando a
quando, lá está ele. A estragar uma folha completamente perfeita, um novo
capítulo de uma história que ainda tem tanta tinta por escorrer – mas está ali.
Para que ele deixe de reaparecer em cada nova página que escrevo, terei que
lavar as marcas dele da minha mão, do meu corpo, do meu coração. Preciso de ser
forte e compreender que é o melhor a fazer.
Os seus pensamentos
enrodilharam-se de tal maneira que, desta vez, vira com clareza o que estava à
sua frente há tanto tempo: outrora, não estivera cega. Naquele momento, também
não. Não tinha sido suficiente para ele.
Não digo que não tenha sido boa o suficiente, ou aquela que o faria mudar…
Simplesmente, não era quem ele procurava. Podia até o ter acarinhado como mais
ninguém fizera, podia ter-lhe dado sentimentos que ele nunca mais encontraria
por mais que procurasse em cada esquina; mas simplesmente não era suficiente.
Já devia ter partido faz tempo, mas decidiu ficar ali, a deleitar-se com o
prosseguir de uma história que não a deleitava de todo. Perfurava-lhe o coração
por mais que ela o negasse e, no fundo do seu ser, só queria sair dali.
Mas compreendera. O fim já
tinha sido há muito. Não queria voltar atrás, mas é difícil tirar marcas que
tinham sido tão bem cravadas nos poros do seu peito. Era difícil esquecer,
porque a memória convive connosco e não nos permite faze-lo quando nos apraz.
Não tinha sido suficiente, mas
estava contente por isso. Ele também não era suficiente para ela.
Só faltava ela própria
compreender isso.
Fantástico, como sempre. Ler-te dá-me sempre um prazer enorme!
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