sábado, 15 de fevereiro de 2014

Valentine's Day





          
            O despertador toca e logo abro os olhos. Através de pequenos buraquinhos da persiana os raios de sol dão-me os bons dias diretamente na face. Sorrio. Hoje é um bom dia, dedicado aos que amam e que são amados; aos que, de alguma forma, cruzaram o seu destino com o de outra pessoa e, desde aí, fizeram um nó entre os seus corações em que, tal como nos cordões dos ténis, por mais que se afastem as pontas, mais o nó fica preso. É o que chamam de – talvez – verdadeiro amor. 
Levanto-me da cama, abro o armário, e visto-me exatamente como planeara na noite anterior: peças com cores e padrões alusivos a este dia, para demonstrar o quanto o aprecio e como me faz feliz. Arranjo o cabelo numa enorme trança e saio do quarto. No corredor, encontro uma grande caixa com um laçarote gigante. Aproximo-me com relutância, o coração a palpitar, e desfaço o laço com uma única mão. Dentro do presente, um pequeno envelope. Dentro dele, uma carta, escrita com cuidado e com simples palavras que tudo dizem.
            És o oposto de mim. Sou pessoa de me alongar nas palavras para dizer pequenas coisas, com medo de não me expressar da melhor forma ou que não compreendas a profundidade com que digo o que digo. Já tu, escasso nos diálogos que na verdade são tão ricos, dizes tudo em meia dúzia de sílabas. E basta isso que te compreendo. Somos assim, completamo-nos. Junto a carta que tanto cheira a ti ao peito e inspiro afincadamente, como se arranjando forças e coragem para o que virá a seguir. Não é medo, é receio. Conheço-te demasiado bem, mas neste momento nada consigo prever. Só não quero chorar, isso não… Tu odeias que eu chore. Passo a não ser eu! Mas que posso fazer se me fazes tão bem, se me enches tanto o coração de forma a que ele rebente em lágrimas?
            A campainha toca e corro para a porta. Abro-a. Estás ali, sorriso de orelha a orelha, olhar terno e cheio de amor. Detenho-me nesse olhar como que a decorá-lo, para sempre o guardar no meu ente. Após isso, detenho-me nas tuas mãos que agora se estendem para mim: uma tulipa vermelha. A minha preferida.

          “Feliz dia de São Valentim”
            Abraço-te e ficamos ali, durante o tempo que foi preciso até me aperceber de que um abraço não pode durar eternamente e de que há uma vida lá fora, ainda que os teus braços me pareçam o melhor sítio para viver para sempre.
            Mas nada disto aconteceu. Como sempre.
             Acordo antes do despertador tocar e tudo o que mais quero é voltar a dormir. Neste breves segundos, não me chega sequer ao cérebro a informação de que dia é hoje. Estou simplesmente estafada, e é só disso que quero saber. Volto a fechar os olhos e adormeço, na esperança de que ainda demorem horas até ter que me levantar e encarar a vida lá fora. Vinte minutos depois o despertador toca e eu levanto-me muito devagar: atiro os cobertores para trás e, um pé de cada vez, saio da cama. É quando me ponho em pé que todos os pensamentos emergem na minha cabeça que agora lateja, fruto dos excessos da noite anterior. Mas não só por isso. Fico sempre assim quando o meu coração transborda. 
Abro o armário e visto exatamente as mesmas calças que ontem e a camisola mais simples que tenho. Apercebo-me de que o meu cabelo está extremamente horrível e apanho-o num rabo-de-cavalo. Saio do quarto e dirigo-me para a sala, onde ligo a máquina de café e tiro um para mim. A minha monotonia do café na mesa da sala – sabe-me sempre pela vida, como um rejuvenescimento. Saio de casa e, tal como nos últimos dias, está a chover. Abro o guarda-chuva e sigo a minha vida. Depois daí, mal me apercebi de que dia era. Não me apercebi de montras, de músicas, e casais foram raros os que vi. Talvez fosse isso: não via. Não queria ver, e por isso não via. Tentei colocar esse mundo à parte porque, sendo uma apaixonada eterna, este dia nem faz tanto sentido para mim. Pode ser cliché, mas não deixa de ser verdade: o dia dos apaixonados deve multiplicar-se pelos 365 do ano. Ama-se sempre. Puramente. Profundamente. Verdadeiramente.
            Mas porque é que continuo a sonhar?

5 comentários:

  1. Tens toda a razão. Quando se ama deve amar-se cada dia, cada momento. Não depender de um só dia para viver uma vida com outra pessoa e demonstrar-lhe que lhe queremos bem.
    Tem fé, continuar a sonhar leva-nos longe... quem sabe se esse sonho amanhã é real, e encontras-te no limbo dos sonhos e da realidade? O que é real? Os sonhos ou o que dizemos que é real?
    Sê quem és, sonha com força. É assim que o mundo gira.

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  2. Caramba, nem sei como explicar o que eu senti na quebra do texto. Foi como se eu tivesse levado um choque de realidade junto com a personagem, tivesse acordado do meu sonho e encarado a triste verdade.

    Mesmo sendo triste, acho que essa foi a grande beleza desse texto.

    Tava com saudade daqui já.

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  3. Porque sem sonho a gente morre. (;

    Adorei a forma da sua escrita, muito bacana.

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  4. "Abraço-te e ficamos ali, durante o tempo que foi preciso até me aperceber de que um abraço não pode durar eternamente e de que há uma vida lá fora, ainda que os teus braços me pareçam o melhor sítio para viver para sempre." estas palavras tiraram-me o fôlego por segundos, és genial, que amor puro!

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  5. Em noites tediosas, tristes, venho aqui ler esse texto..muito bonito..adorei...

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