terça-feira, 20 de abril de 2010

bang bang, it's death time

lentamente, sinto as pestanas caírem
uma por uma
mas as lágrimas ficam presas nos olhos
como se o choro fosse imortal.

sinto todas as armas apontadas para mim. em algumas, sinto-lhes o roçar das balas no cano. ouço dedos roçar no gatilho, com sede de mim. não tenho medo, sequer. é o momento? ou devo apenas tirar as mãos da cabeça e simplesmente deixar fazerem de mim o que querem? cada olho cor de natureza para o esgoto, o braço direito para um lado, a perna para o outro, e o tronco para o mar. até parece que já sinto tudo como se estivesse a acontecer agora: o óleo que já serviu para fritar as batatas para o almoço a corroer-me a retina; o braço e a perna a serem comidos, célula a célula, por pequenos moscardos; as minhas costas e a minha barriga, que em tempos me deram mais que dores a serem roídos pelos peixes e logo a seguir a sentirem os dentes de um enorme e sedento tubarão.
sei exactamente qual será o destino de cada bala. a da mulher que empunha a arma mais velha é directa na minha cabeça: vou esquecer cada memória, uma por uma, como se estivesse a adormecer e não soubesse sequer em que estava a pensar quando isso aconteceu. a do homem com as calças remendadas no joelho vai para o meu pescoço, para me fazer sentir a dor onde ela arde mais - na garganta, as cordas vocais desafinam, lentamente e profundamente, e por fim desaparecem. a do idoso com corcunda vai para o meu coração: para a morte não ser tão lenta, mas ser mais sentida e reflectida. e, finalmente, a rapariga com olhos tristes, que olha fixamente para a minha barriga, por onde já passaram almoços e jantares de todos os tipos - de vegetarianos e comida de plástico -, e por onde a esta hora ainda deve estar metade de uma maçã.
será que neste momento todas elas já estão lá, e eu já não estou cá? será o momento certo para dizer «estou a morrer»? está tudo desfocado. será esta a última imagem que terei do que é a vida? quatro corpos deformados e a olharem para mim, como se fosse simplesmente uma presa a abater, nada mais. nunca pensei que o fim fosse assim. tão vindo do nada. sempre me imaginei a morrer atropelada, ou por uma doença que me corroesse todo o corpo por dentro. mas, por ódio? duma forma tão... repentina? como se eu não fosse sequer humana? a vida tem muito que se lhe diga.
para estarmos completamente prontos para viver precisamos de 9 meses. mas para morrer, é relativo. tanto podemos morrer em 5 segundos, como em 5 anos. sabem o que somos? nada.

3 comentários:

  1. amo cada texto teu, escreves com inteligência.
    e gosto tbm das musicas..
    podias-me dizer o nome desta musica e da anterior que tinhas? S:

    Gostei mesmo muito do texto!
    "tanto podemos morrer em 5 segundos, como em 5 anos. sabem o que somos? nada."

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