domingo, 6 de setembro de 2009

feel the climb




Abri a porta do armário e olhei para a minha roupa. É nestes momentos que achamos que andamos a precisar mesmo de ir às compras. Lá fora o céu estava cinzento e a temperatura estava baixa, e daí a momentos começaria a chover. Vesti uma camisola cinzenta de lã para combinar com o tempo, e vesti umas calças de ganga. A simplicidade sempre foi algo que me agradou. Já estava atrasada por isso peguei na maçã mais vermelha que tinha na fruteira, vesti o meu casaco preto comprido e saí de casa. Cá fora não se ouviam pássaros, e as folhas que estavam caídas no passeio estavam cheias de orvalho. Não me apetecia correr, por isso estava decidido que ia mesmo chegar atrasada ao trabalho outra vez, ultimamente tem sido sempre assim: durante a noite não consigo dormir, por isso ponho-me a ler até muito tarde, e de manhã tenho de me levantar cedo, mas adormeço sempre. Não me preocupo muito com isso, pois assim tenho muito mais que fazer no trabalho e não necessito de pensar noutras coisas em que não devo pensar, não preciso de pensar na minha vida. Estava vento, e o meu cabelo voava para as minhas costas sempre que eu tentava colocá-lo na minha frente. Apertei-me contra o casaco e continuei o meu caminho. Ouvia o relógio da igreja avisar-me de que já era tarde e que eu me deveria despachar. Já estava perto, portanto não me ia preocupar com o tempo. Ninguém me diria nada, eu apenas queria paz. Quando entrei pela porta dentro da empresa, dei conta que ninguém tinha reparado na minha ausência, nem na minha chegada. Abri a porta do meu escritório, despi o casaco e instalei-me cuidadosamente na minha cadeira. Nada poderia mudar aquele dia tão igual aos outros. Por momentos desejei que a minha vida mudasse um pouco, mas essa ideia tão depressa surgiu como desapareceu. A minha vida era aquela, como poderia eu mudá-la com o meu simples pensamento de jovem? Comecei o meu trabalho, e o dia continuou a correr.
Quando dei conta, as horas tinham passado como se estivessem num corta-mato contra as minhas tarefas, e parece que venceram a corrida. Era já noite, e eu tinha de ir embora. Parece que não estava tão capaz de acabar o trabalho a horas quanto pensava, pensei para mim “estou mesmo a precisar de dormir”. Saí do edifício a correr como se algo de muito mau tivesse acontecido. Estava escuro. Comecei o meu caminho, e senti um enorme arrepio pela coluna acima, tinha-me esquecido do casaco no escritório, mas também agora não ia voltar atrás para o ir buscar, teria de aguentar até chegar a casa. Caminhei com os braços entrelaçados ao meu corpo, estava a congelar. Senti uma leve pinga no nariz, e do nada apareceram milhares de pontinhos à minha frente, começara a chover rapidamente e eu não tinha nada que me pudesse abrigar comigo. Mas eu não me importei, adoro ter a roupa encharcada, apesar de depois ficar constipada e as coisas se agravarem, mas isso é outra coisa. Na verdade, eu amo quando chove. Estava desejosa de chegar a casa e sentar-me na janela a ler a minha mais recente aquisição “Juntos ao luar” ao som da chuva, é tão bom. O frio começara a tornar-se insuportável, mas eu não dei valor a isso, tinha o coração quente, mas vazio. Sempre tivera essa sensação, mas nunca lhe ligara muito. Sempre vivi assim. Ouvi barulhos, e acho que até dei um pulo, mas não tenho bem a certeza. Começou a trovejar, não tenho medo, mas não sou nenhuma admiradora de trovões e raios. Corri, corri, corri. Corri até encontrar um abrigo. Sentei-me num banco de jardim que estava coberto por uma árvore. Comecei a pensar que tudo isto não fazia sentido, que tinha de mudar realmente a minha rotina, isto começava a tornar-se desconfortável. Senti uma mão no meu ombro: “Menina, quer que lhe empreste o meu guarda-chuva para voltar a casa?” era um senhor que já tinha visto, mas que nunca tinha realmente reparado nele. Tinha olhos em tons de castanho claro e verde, a sua pele era clara e tinha a barba por fazer. O seu sorriso acentuou-se quando me virei para ele. “Muito obrigado, mas eu não me importo de ficar à espera que a chuva passe, não há-de demorar” bom, normalmente nunca aceito ajuda de estranhos. “Aceite. Eu levo-a a casa”. Acabei por aceitar. Caminhámos lado a lado, sem uma fala, sem um olhar. Ele deixou-me à porta de casa e não disse mais nada. Entrei dentro de casa e fui directa à casa de banho. Enchi a banheira de água e espuma, tirei a roupa e mergulhei nela. Fiquei a olhar lá para fora até adormecer. Sabia que a minha vida iria mudar, e que a tempestade tinha passado.

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