segunda-feira, 3 de agosto de 2009

meu protector.


Todas as manhãs saia da minha casa arrastando a rede de peixe que servia de porta e olhava para o meu orgulho. O mar. Eu vivia à frente do mar, e todas as noites adormecia enquanto o som das ondas me embalava, e sonhava aconchegada ao seu cheiro a sal. Era como se fosse meu pai, sempre presente para me ajudar, sempre lá quando eu chorava – chorava a sua água, eram lágrimas salgadas, estava lá para me ouvir nos dias em que eu não aguentava viver mais. Sempre que saia com o meu barco – o esquecimento – sentia-me livre, sentia que podia ir para o meio do oceano e contar a todos os seres o que sentia, e estes compreendiam-me. Sentia-me vazia, como quando acordamos mais cedo e vamos ver se o padeiro já trouxe o pão, e o saco está vazio. Navegava com todas as minhas forças, ia para longe, podia sair de manhã cedo e apenas voltar no dia seguinte, mas pelo menos voltava feliz e não iria transmitir as minhas sensações mais escuras para as pessoas que em casa me esperavam preocupadas, apesar de estarem habituados a estas minhas saídas com o mar, o meu companheiro, meu pai, meu protector. Numa noite de Agosto em que estava muito calor e eu não consegui descansar os meus olhos sentei-me no parapeito da janela e olhei o horizonte. Estava cor-de-laranja, apesar de já ser bastante tarde. Mas era sempre assim, o sol pousava tarde, deixando os raios entrarem pelas persianas pela última vez no dia e nos darem um ar carinhoso, como quem nos dá as boas noites. Nessa noite apetecia-me realmente dormir, mas não conseguia, era-me impossível. Sentia-me pior que nos outros dias, e o calor acentuava a situação. Parecia que começava a alucinar, e vi-te. Vi ao longe um barco com um homem, tinha os seus cabelos ao vento e estava na ponta do seu barco. Tentei ver o nome do barco, e não era um nome normal. Fui buscar os meus binóculos, e quando voltei já não vi barco nenhum. Tinha desaparecido como quando um rato corre para o seu buraco, para o seu aconchego, longe do gato que o amedrontava. Fiquei tonta. Tive um flash e isso não era normal. Tinha sido tudo fruto da minha cabeça. Sentei-me na cama e adormeci, como a bela adormecida. Sentia que não iria acordar mais, dando lugar à areia, espinhos. E sentia-me apavorada por dentro, vi um alguém desconhecido que me despertou atenção, e fez-me ter sonhos estranhos, em que não sentia o vazio enquanto dormia. Quando acordei suava por todos os lados, não sabia o que me tinha acontecido. A cama parecia que tinha acabado de chegar da guerra, devo-me ter mexido tanto durante a noite que devo ter acordado quem dormia abaixo de mim. Eram 6 da manhã e eu não aguentei mais, vesti a minha gabardine, pus a trela à minha cadela que me acompanha sempre quando viajo de barco, a Lucky e saí de casa a correr em direcção ao mar. Tropecei numa rocha e caí de cara na areia, enquanto o mar me puxava para si. Eu só queria fugir dali, queria ter a sensação que tive de novo. Adormeci de novo. Acordei com o latido da Lucky sobre os meus ouvidos, ela estava ao meu lado a tentar aquecer-me e a tentar puxar-me para o mais longe possível da beira-mar. Estava encharcada, mas nem isso fez-me parar. Apesar de não estar em condições, armei-me em louca e fui a correr até ao esquecimento. Eu queria navegar, e tinha a certeza que aquilo não era uma miragem que passou perante os meus olhos para me atormentar. Eu não merecia isso. Só tentava mudar tudo, só tentava não me sentir tão vazia preenchendo o tempo a contar histórias ao mar, a mergulhar nele, a dedicar-me a ele. Mas apesar do meu amor, não era suficiente. Precisava de alguém de carne e osso que me ajudasse. Ouvi trovões, e senti a chuva nos meus cabelos. Isto não era bom. A Lucky começou a ladrar e barco começou a baloiçar no mar enquanto começou a chover fortemente. Eu tentava acalmar o barco mas este movia-se como quando um bebé empurra o seu patinho na banheira para baixo, para vê-lo subir e mexer-se de um lado para o outro, até parar. Enquanto tentava manobrar o barco escorreguei e caí de joelhos. Não evitei, e deixei-me chorar e gritar ao meu protector porque me estava a fazer isto, porquê. Estava a enlouquecer, só queria ter uma vida serena. Não era pedir muito, pois não? Abri os olhos e ao longe vi um barco que se aproximava de mim. Esfreguei-os para ter a certeza de que não era um sonho, e vi o homem outra vez, com os seus cabelos ao vento a olhar para mim e a controlar o seu barco para chegar até cá. Nos escassos e longos segundos que se sucederam, li o que estava escrito no barco “LUA CHEIA”, era o seu nome. De repente senti uma terna paz dentro de mim, e um longo silêncio. Quando acordei a primeira coisa que vi foram os seus olhos castanhos a brilharem ao verem os meus. Eram tão lindos, tão puros, tão perfeitos. Ouvi-te: Está bem? Mas apenas consegui dizer: Lua cheia. E adormeci outra vez. Nos meus sonhos continuava a ver aquele homem que não sabia o nome, mas que agora sabia que amava. Que por magia amava, sem saber nada dele. Apenas por ter estado no momento certo, no sítio certo. De repente dei um salto da cama porque não sabia o que realmente se tinha passado. E ele disse-me que o meu barco virou e eu desmaiei. Que eu fiquei como por milagre agarrada numa tábua com a minha queria Lucky ao meu lado, sempre a proteger-me. Agradeci-lhe do fundo do meu coração, não lhe poderia pagar de outra maneira. Mas ele disse-me: Pode pagar sim, minha querida. Eu fiquei confusa. Não era possível pagar com dinheiro tal coisa! Não tinha tanto para lhe dar quanto eu gostaria. Mas continuámos no silêncio. Nessa noite levantei-me e percorri o corredor da casa daquele desconhecido até encontrar o seu quarto. Quando abri a porta, vi-o a dormir. Estava vestido, tinha tido demasiado trabalho comigo e adormeceu logo. Olhei-o e reparei nos seus fios de cabelo, pretos e brilhantes, vi a sua pele seca e gasta, como de quem viaja demais e não tem tempo para se hidratar. O seu corpo era forte e perfeito, tal como ele. Perfeito. Deitei-me ao lado dele, e acarinhei-o. Ele abriu os seus olhos e eu disse-lhe: Sou como a lua um dia antes de ser completamente cheia. Pareco feliz quando só estarei completamente feliz no dia seguinte. Desvendaste o meu enigma mais depressa do que eu própria. Amo-te. Obrigada.
Ele respondeu: O meu nome é esperança, e eu amo-te por teres esperado por mim, sem saberes que eu te procurava.
E eu não estava desiludida com o mar, o meu grande protector, pois ele pôs-me em perigo porque sabia que alguém me salvaria, e eu seria feliz por encontrar o pedaço que me tapava o vazio. Ele não me fez ter flashes, fez-me ver que a realidade esperava por mim, mas que eu não conseguia aceder a ela. E por isso, fez tudo por mim. Abraçou-me da melhor maneira que podia, e fê-lo de uma forma que me fez amá-lo ainda mais.

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