segunda-feira, 1 de novembro de 2010

em câmara-ardente

é neste dia que sentimos que todas as coisas colidem em nós. mas porquê só um dia em todo o ano? não é que eu goste de ir para um cemitério para ficar lá durante umas horas. para ser sincera, odeio. passei a odiar funerais e principalmente a parte em que nos dão os seus sentimentos. aposto que muitos deles nem sequer são sentidos, mas enfim.
hoje é o dia em que toda a família se reúne para, em forma de reza, dizer o quanto sentimos a falta dos nossos entes queridos. mas para quê? não se deve fazer isso todos os dias? tenho de admitir que não sou pessoa desse tipo de costumes. tenho muitas saudades de quem já foi, porque eram bocados de mim que me foram arrancados. não é tão difícil pensar que as pessoas que mais amamos estão a poucos metros de profundidade de nós e que as mãos que um dia nos levantaram no ar, as bocas que nos repreenderam e ao mesmo tempo disseram que nos amavam, os olhos que choraram por nós, e principalmente, o coração que bateu compulsivamente de orgulho por nós tantas e tantas vezes - se estão agora a desfazer? a essência, essa, está sempre lá. nem os bichos a conseguem levar embora. mas é quase como corroer-nos a nós próprios pensar que daqui a muitos anos nem os ossos que nos amparam em todas as quedas da vida restarão...
acho que hoje, naquele pequeno perímetro, centenas de almas vão estar de mãos dadas às nossas, em sintonia com o nosso batimento cardíaco. vão beijar-nos as faces, a nuca e a testa, e quando ouvirmos o vento, serão elas a sussurrar aos nossos ouvidos vou estar sempre aqui a teu lado. quando os arrepios se apoderarem das nossas pernas e braços, elas estarão a despedir-se e a voltar novamente lá para cima: entre as nuvens, entre as pombas brancas, entre as estrelas, entre os nossos sonhos, entre os nossos desejos.
um dia - que pode estar para breve ou não - seremos nós lá, a experimentar uma nova vida que nem sequer sabemos se existe. ainda há-de chegar o dia em que alguém vira lá de cima para nos contar sobre o desconhecido que deve fazer a cabeça em água aos cientistas que não acreditam em nada dessas coisas religiosas. falando por mim, tanto acredito como não. depende dos dias e dos acontecimentos.
«chove muito dentro de nós. sentimos que quem morre nos morre. há "mas" e "porquês" que nos sacodem. temos o coração ferido e nas feridas toca-se devagarinho.
nestes momentos, lidamos mal com as palavras; só ouvimos a desolação interior e as palavras que vêm de fora estão, muitas vezes, gastas. a força de as termos dito e ouvido, raramente nos chegam dentro. falam-nos mais os gestos e a presença demorada. e assim, entregues às recordações e à infinita dor da nossa perda, ouvimos subtilmente a mensagem de que precisamos: "não estás sozinho. estou contigo".»
quando tanto se passou comigo este ano, eu não queria saber de palavras para nada. só tinha vontade de me ir embora para sempre. quando não é connosco, damos tudo de nós em forma de palavras. mas quando é connosco percebemos o quanto isso é inútil. de que nos servem simples coisas ditas da boca para fora? ou, ainda que não seja da boca para fora, que seja sentido... isso não atenua a dor. pelo contrário, relembra-nos de que ainda temos muitos anos para viver a ouvir aquelas palavras. os únicos pensamentos que ecoam na nossa cabeça são porquê a ele? porquê a mim? ele não merecia isto... fez tanto bem enquanto vivo. e tinha tanta força, tanta vontade para viver. era tão querido por todos. porque o escolheste e ele? mas temos de aprender a viver com tudo isso: dor e saudade. dois componentes da nossa vida dos quais não nos conseguiremos livrar nunca.

6 comentários:

  1. fico sem palavras querida *.* é lindo tudo o que escreves.

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  2. este dia dói... mas também, acho eu, porque todos acham que deve doer. É injusto muito, porque não podem as pessoas que amamos ficar SEMPRE? mas acho que elas ficam, no fundo fica~m sempre não é? Amei o texto :)

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  3. concordo com a Daniela, "este dia dói... mas também, acho eu, porque todos acham que deve doer"
    sim, realmente dói perdermos alguém que amamos, dói muito, mas temos que pensar que é este o ciclo da vida, e que não somos os unicos a passar por isso, que há milhentas pessoas no mundo a passar pelo mesmo, e há até aquelas que não aguentam.. e é assim desde que nos conhecemos por humanos. Devemos pensar que quem partiu estará sempre connosco, podemos conversar com essas pessoas, mostrar o nosso afecto e amor, simplesmente com o nosso pensamento, eu acredito que isso chega para perceberem que sentimos a falta deles.
    Está lindo, como sempre ♥

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  4. quando uma amizade é vdd não se necessitam de segundas hipoteses

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  5. está profundo, como sempre, adorei fabi <3

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