«Usamos os espelhos para ver o rosto e a arte para ver a alma.» George Bernard Shaw
como não sabia o que escrever, e como decidi deixar o desafio das cartas em standby, pus-me a procurar frases.
esta cativou-me.
todas as manhãs uma das primeiras coisas que fazemos é olhar para o espelho: ver se o cabelo está bem, tentar tapar as olheiras se as tivermos, tentar tapar os defeitos e outras tantas coisas. tenho de admitir que às vezes não olho para o espelho, esqueço-me até que tenho a possibilidade de fazer isso. os espelhos não servem para muito mais que isso, aparentemente. mas precisamos de os ver de outra forma, precisamos de olhar para eles como se não fossem uns simples objectos nos quais conseguimos ver-nos a nós próprios. se olharmos para bem lá no fundo, bem bem lá no fundo, somos capazes de nos encontrarmos de outra forma. damos conta dos nossos sentimentos no espelho. se eles reflectem os nossos olhos, a nossa boca, o nosso nariz, a nossa cabeça, o nosso pescoço e o resto do nosso corpo, não era lógico que reflectissem outras coisas que tais? enquanto olho através dos meus próprios olhos vejo a minha vida passar-me na retina. os momentos vão passando como se os estivesse a ver num filme mudo, e fico com uma enorme vontade de saltar para dentro do meu próprio corpo; apetece-me ser engolida pela magia que o espelho transmite sem desdém. parece fácil demais porque está perto demais. as memórias estão sempre escondidas no cantinho mais aconchegado do nosso ente, onde seja difícil de chegar. as mais poeirentas são de alcance quase impossível, e por isso às vezes só nos apetece chorar por temo-las perdido, quando isso não é verdade. nós não nos esquecemos de nada: as coisas vão sendo sugadas até quase desaparecerem. por isso então, o espelho serve para ver o rosto e o que temos por detrás do nosso rosto.
não se costuma dizer que os artistas revêem-se nas suas obras? então é isso mesmo que a segunda parte desta frase quer dizer. qualquer que seja o tipo de arte, tem sempre um todo de quem construiu. se não tivesse um eu não poderia ser considerada arte, porque não teria essência alguma. a arte pode ser qualquer coisa e pode ser feita por qualquer coisa também, desde que se reconheça um quem nela. se alguma vez quiserem saber como alguém é, dirijam-se à obra de arte mais próxima que possam encontrar dessa pessoa. assim não precisarão de perguntar à própria como ela é - por vezes nem sabemos explicar como somos, não é verdade? -, basta usarem o olhar e o coração, e perceberão tudo de uma forma clara.
para se reconhecerem a vós próprios peguem num espelho e olhem-se;
mas logo a seguir façam o que mais gostarem, porque isso é a vossa arte.