sábado, 18 de setembro de 2010

letter number 11: to a deceased person I wish I could talk to

não sei como serias. não faço a mínima ideia. não sei se serias gémeo ou gémea dos meus genes, ou se serias o contrário de mim. não sei de que cor seriam os teus olhos, não sei de que tom seria a tua pele. não sei como seria a tua forma de ser. não sei se nos iríamos dar bem, ou se iríamos ter todos os dias uma discussão como muitos irmãos têm. não sei. na verdade, não sei absolutamente nada de ti. foste-te embora antes de te puder dizer olá, e pouco tempo estiveste entre os nossos corações. naquela altura eu pouco sabia sobre a vida, pouco tinha vivido. se sofri? se sofri não dei por tal, era ainda tão criança que - repito - pouco sabia o que era viver. sabia que já não ia ser única. sabia que tinha de partilhar coisas e afectos. sim, eu sabia e queria muito. queria não ter de estar só, queria ter alguém para brincar, alguém para conversar. e quando os anos passassem seria a tua confidente. sei agora disso. sei que com o tempo nos iríamos dar bem e seríamos unha e carne. eu reveria-me em ti vezes e vezes sem conta e pensaria como seria possível sermos tão parecidos. e era por isso que nos poderiam chamar irmãos de sangue. o espelho um do outro, mas com diferentes feições.
por esta altura terias mais ou menos a mesma idade que eu tinha quando te perdi para os céus. raramente penso nisto... mas esta casa seria tão diferente contigo aqui. teria mais vida, mais barulho, sentiria-se mais respiração no ar, eu saberia que estavas cá, bem perto de mim. quererias-me espreitar a privacidade para depois contar tudo à mãe e espalhar pelo resto da família. quererias-me irritar porque gostavas de me ver nervosa. coisas habituais... mas coisas a que não tive direito. tiraram-te de mim antes que pudesse te agarrar a mão e dar forças para ficar; antes de puder gritar o teu nome ainda desconhecido e fazer com que te agarrasses à vida com unhas e dentes. mas ainda no princípio de tudo não foste suficientemente forte para te agarrares à realidade no mesmo local onde eu um dia também estive e passei pelo mesmo. mas eu consegui, e tu não. o que pensará a tua alma que ficará na infância para todo o sempre enquanto eu estou a escrever para ti? nunca falei contigo. e tenho pena disso. era bom puder notar que alguém era parecido comigo. era ainda melhor puder saber que alguém queria, no futuro, ser como eu. na minha imaginação, tudo isto seria assim. tu, eu, uma vida, votos de confiança e alianças infindáveis. quer dizer... não sei se o facto de querer ser como eu era bom para ti, mas seria para o meu ego. não vale a pena pensar nisso. não vale a pena matutar no que não existe mas poderia existir, faz-nos sofrer. espezinha-nos as entranhas e rói-nos o cérebro de uma só vez.
sabes, tenho a certeza de que te ia amar com tudo o que tenho. com todo o meu coração. e sei que os dois ainda iríamos chorar muito, partilhar muitas experiências e viver infinitos momentos juntos.
mas agora eu estou sozinha. e tu nunca chegaste a partilhar nada comigo - só onde permanecemos, mas tu em muito menos tempo que eu. talvez numa outra vida ainda nos conheçamos. ou melhor, vamo-nos conhecer. prometes isso?

com saudades que já vêem de trás bem camufladas,
a tua irmã perdida.

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