segunda-feira, 10 de maio de 2010

leva-me


uma ventania passa por mim e arranca-me pedaços. tal como sempre.
não vivo por inteiro, nunca. deixo que cada bocadinho de mim seja saboreado pelos raios de sol ao nascer do dia, e deixo cada um dos meus cabelos pelo caminho para lhes sentires o cheiro de camomila e me seguires. para onde, perguntas tu. mas se queres saber, nem eu sei. talvez vá dar a um muro do esquecimento, ou a um areal de melancolia. não quero sequer pensar nisso. dás-me a mão? segues-me? procuras-me? desejas as minhas palavras? abraças-me? proteges-me? principalmente: depois de tudo, levas-me contigo?


ao fundo da rua, vejo a lua. e vejo o teu rosto petrificado nela. os teus olhos estão vazios, sem cor descritível. não tens cor. ou estás pálido? é difícil descrever a tua face. pareces estar assustado, não sei.
tento correr para ti. ou antes, para a lua. mas tropeço a meio do caminho e caio de cara no chão. sinto-me engolida por tremores de terra e vulcões, como se o mundo desabasse ali mesmo, debaixo do meu corpo caído. ouço gritos. vêm de todos os lados. crianças? mulheres? homens? não consigo distinguir. mas sinto como se todos estivessem a sair da minha própria garganta. está arranhada. são de dor, loucura, fúria. tudo misturado num só grito. se quisesse, nunca teria imaginado algo assim. agora estão em uníssono, e chamam por mim. duma forma cada vez mais forte, e sinto-me a esvoaçar até eles, como se fosse impossível parar, como se aquelas vozes fossem um íman e o meu corpo fosse um metal. agora não ouço nada. talvez seja porque ouvi demasiado. os meus ouvidos não são fortes os suficientes para aguentarem tanto sofrimento.
onde estás tu neste momento? o teu espírito ainda vagueia pelas crateras da lua? ou estás mesmo aqui, a assistir a toda esta desgraça mental?
será que o tudo já aconteceu, e é agora que me levas contigo? peço-te que seja. porque agora, sinto agulhas espetarem cada um dos meus poros. até podem não ser mesmo agulhas, mas consigo sentir algo. que me despedaça aos poucos.
é agora a vez da ventania. que leve os últimos pedaços que restam da minha existência. e por fim a minha alma vai contigo, a esvoaçar entre os campos.
agora não sinto sofrimento, mas as lágrimas ficaram coladas no meu rosto, como marcas, cicatrizes.
e tu? afinal, quem és tu? conta-me mais. conta-me sobre ti. conta-me o porquê de estar aqui.

Sem comentários:

Enviar um comentário