
O quarto já de si é a escuridão total, mas a que exteriorizo do meu coração ainda o torna mais estranho e, de certa forma, aterrorizante. Mas isso não me incomoda. É que se tivesse medo do escuro, teria medo da minha própria alma.
Sei exactamente, com vírgulas e pontos finais incluídos, o que estás a pensar. Numas vezes tens a certeza de que morri e que foi por isso que nunca mais se ouviu falar em mim... Mas todas as noites, incluindo as poucas em que dormes bem porque não intervenho nos teus sonhos, antes de adormeceres, tens também toda a certeza de que estou viva. E, pior de tudo, que ainda me amas.
Hoje é um dos dias em que te sentes decidido a deixar-te ficar mais uns segundos lá à frente, qual estátua de jardim, a ver se ganhas coragem de tocar à campainha. Mas eu conheço-te tão bem que sei que não preciso de me preocupar - nunca o farás. Antes, eras um rapaz repugnante que se deixava mover pela razão e não pensava no que dizia: magoava e não dava por isso. E foi por isso que me vim embora. Tu. Tu és o culpado de eu agora ser tal e qual uma filha das trevas, uma deusa da noite sem asas a adornar as costas, uma zé ninguém que agora não pode sair à luz do sol porque não sente o calor a queimar-lhe a pele faz meses. E sabes disso. Depois de eu desaparecer, começaste a pensar nas horas, nos dias e nos meses que passaste a meu lado e nas quantas vezes que erraste. E aí, apercebeste-te que o malfeitor foste tu. Mesmo assim, não vale a pena continuares a passar aqui. Para quê? As tuas lágrimas não servem nem para água de autoclismo, o teu suor apenas serve para te avisar de que precisas de um bom banho. E o teu coração, que começou a funcionar faz pouco tempo atrás, ainda é uma criancinha. E por isso ainda não sabe o que é realmente a dor. E disso, não me falta.